sábado, 13 de agosto de 2011

Lúcio Flávio escreve sobre a divisão do Pará.

O Brasil ainda não se deu conta de que um novo capítulo da sua história está se oferecendo para ser escrito. Pela primeira vez a feição geográfica do país não dependerá de um ato de império do poder central. Ao invés disso, um plebiscito inédito será realizado, graças à regra estabelecida pela Constituição de 1988. Os eleitores votarão para definir o novo perfil do Pará, o segundo maior Estado da federação.

A consulta plebiscitária acontecerá dentro de quatro meses, mas nem a opinião pública se interessou até agora pelo tema, certamente por desconhecer a sua importância, nem as regras básicas estão definidas. O Tribunal Superior Eleitoral terá até o final do mês para decidir se aproveita ou não as sugestões apresentadas na audiência pública, realizada na semana passada, em Brasília.

O que está em causa é um território de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, onde vivem mais de 7,5 milhões de pessoas. Se o Pará atual constituísse um país independente, seria o 25º mais extenso do mundo. No continente, só a Argentina e o próprio Brasil o superariam. Seria um pouco maior do que a Colômbia. Pelo critério populacional, ficaria na 97ª posição mundial.

A primeira ordem de grandeza que impressiona resulta do contraste entre extensão física e população. É o critério que mais pesa nas decisões tomadas pelo poder central em relação à Amazônia. Os estrategistas de Brasília acham que a dispersão demográfica é um elemento de fragilidade da região diante da cobiça internacional que provoca.

Pouca gente espalhada por um espaço tão grande também dificultaria o aproveitamento das riquezas naturais da Amazônia e sua integração econômica ao país, expondo-a ao risco de interesses externos e a uma eventual usurpação por potência mundial, como os Estados Unidos. Seria necessário encurtar o espaço e adensar a presença do pioneiro nacional (o colono e o colonizador) para garantir a soberania e a segurança nacional.

Este seria o principal fundamento para dividir o Pará. Seu atual território passaria a abrigar mais dois Estados: Tapajós, a oeste, e Carajás, ao sul. O Pará remanescente seria o menor territorialmente dentre os três, porém o maior em população. O novo Pará cairia da 2ª para a 12ª posição no ranking nacional por extensão, ficando quase do mesmo tamanho de Roraima e Rondônia na própria Amazônia e de São Paulo, a mais habitada das unidades federativas brasileiras. A queda seria menos acentuada do ponto de vista demográfico: sairia do 9º para o 12º lugar entre os Estados mais populosos.

O possível Estado do Tapajós, com 722 mil km2, seria o 3º maior do Brasil (superado apenas pelo Amazonas, com 1,5 milhão de km2, e Mato Grosso, com 903 mil), mas estaria no rabo da fila demográfica: teria mais habitantes apenas do que Acre, Amapá e Roraima, todos na Amazônia mesmo (os dois últimos transformados em Estados pela constituição de 1988). Já Carajás, com 285 mil km2, seria o 8º maior do país em extensão e estaria apenas uma posição acima do Tapajós em população.

Mas não é só – nem principalmente – esse conjunto de grandezas que estará em jogo no plebiscito. O território que pode vir a abrigar esses três eventuais Estados é o maior exportador mundial de minério de ferro, o maior produtor de alumina , o 3º maior produtor internacional de bauxita, significativo produtor de caulim (o de melhor qualidade do mercado para papéis especiais) de alumínio, e possui crescente participação em cobre e níquel.

É uma pauta de exportação mineral mais diversificada do que a da África do Sul, cuja atividade econômica é muito mais antiga do que a do Pará. Sem falar em várias outras riquezas naturais, reais ou potenciais, que fazem dessa parte do Brasil uma fonte de commodities para o mundo.

Com a exploração desses recursos, o Pará se tornou o 5º maior produtor de energia (e o 3º maior exportador de energia bruta) do Brasil, o 2º maior minerador nacional, o 5º maior exportador geral e o 2º que mais divisas fornece para o país. De cada 10 dólares recolhidos pelo Banco Central, 70 centavos são provenientes do Pará. Em compensação, ele é o 16º em desenvolvimento humano e o 21º em PIB/per capita (a riqueza dividida pela população). Está do lado do 3º Brasil, o mais pobre, na companhia de seis Estados nordestinos.

A nova configuração física dessa vasta área de 1,2 milhão de km2 vai mudar esse paradoxo, que submete o Estado, por decisão tomada de fora para dentro, e de cima para baixo, a um processo de desenvolvimento semelhante ao do rabo de cavalo: quanto mais cresce, mas vai para baixo?
Com base nessa realidade, é impossível não concluir que o Pará segue um modelo colonial. Não sendo o detentor do poder decisório, a utilização das suas riquezas beneficia mais a quem compra do que a quem produz. Os efeitos multiplicadores ocorrem fora do seu território, assuma ele sua configuração atual ou seja retalhado em mais duas partes. Essa modificação não atingirá o processo decisório.

Se realmente o Brasil considera a Amazônia a sua grande fronteira, a ser utilizada para poder crescer mais e com maior rapidez, o debate sobre a redivisão do Pará devia ser item importante da agenda nacional. O jurista paulista Dalmo de Abreu Dallari, com o endosso do senador – também paulista – Eduardo Suplicy, interpelou o TSE para que o plebiscito, ao invés de ser realizado apenas junto à população do Pará, se estenda a todo país.

O pedido não tem fundamento legal. A constituição, ao determinar a consulta específica à “população diretamente interessada”, eliminou a audiência generalizada. Do contrário, não precisaria fazer a restrição. Mas se não pode votar no plebiscito, o brasileiro pode – e deve – se manifestar sobre a causa. Pela primeira vez, se o Brasil mudar de feição, terá sido pelo voto do cidadão e não por ordem de Brasília. É uma responsabilidade e tanto.

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