O movimento Slow Science defende o direito de cientistas fugirem da corrida pelo grande número de publicações e priorizarem qualidade da pesquisa.
Sabine Righetti (Folha de S. Paulo, 08/08/11) noticiou que um movimento
que começou na Alemanha está ganhando, aos poucos, os acadêmicos. A
ebulição é espontânea: mais tempo para os cientistas fazerem pesquisa. Quando docentes são pressionados a se dedicar, em simultâneo, à massificação do ensino superior e à produção seriada de papers, evidentemente, predomina a quantidade e não a qualidade do trabalho.
Quem encabeça a ideia é a organização Slow Science, criada por cientistas gabaritados da Alemanha. Aderir
ao movimento significa não se render à produção desenfreada de artigos
em revistas especializadas, apenas para contar muitos pontos nos
sistemas de avaliação de produção científica.
De acordo com o padrão norte-americano hegemônico,
quem publica em revistas científicas muito lidas e mencionadas por
outros cientistas consegue mais recursos para pesquisa. Por isso, os
cientistas acabam centrando seu trabalho nos resultados imediatos:
publicações. Vale-tudo: múltiplos (e falsos) autores, troca de favores,
patotas, exclusivismo, sedução de editores, etc. O carreirismo predomina
sobre o amadurecimento intelectual.
“Somos uma guerrilha de neurocientistas que luta para que o modelo
midiático de produção científica seja revisto”, disse o neurocientista
Jonas Obleser, do Instituto Max Planck, um dos criadores do Slow Science.
O grupo divulgou um manifesto, no final do ano passado, em que
proclama: “Somos cientistas, não blogamos, não tuitamos, temos nosso
tempo”. [Eu "blogo" e pouco me importo se alguns colegas desdenham esse
instrumento contemporâneo de debate público.] “A ciência lenta sempre
existiu ao longo de séculos. Agora, precisa de proteção.”
O manifesto faz sentido científico. Há necessidade de verificar os dados com vagar, antes de tirar conclusões precipitadas. A Slow Science alerta para a questão do tempo necessário para analisar certa hipótese em profundidade e tirar conclusões acertadas.
Nesse movimento de “desobediência civil”, não é preciso se filiar
formalmente. Basta imprimir o manifesto e divulgar no seu departamento. A
ideia é pregar a pesquisa que não se paute só pelo resultado rápido e
por critérios internacionais, pois coloca temas nacionais em segundo
plano. O monismo metodológico para todas as ciências, seja
laboratoriais, seja sociais, é debate inconcluso e não pode ser imposto à
força.
“É improvável que o ritmo de fazer pesquisa seja diminuído por meio
de acordo mundial em que cada cientista assume o compromisso de
desacelerar seus trabalhos”, foi a reação de especialista em cientometria (medição da produtividade científica).
O MANIFESTO DA CIÊNCIA LENTA
Nós somos cientistas. Nós não blogamos. Nós não tuitamos. Nós necessitamos do nosso tempo.
Não nos levem a mal – dizemos sim para a ciência acelerada do
início do século 21. Dizemos sim ao constante fluxo de publicações em
revista e medição de seu impacto; dizemos sim para blogs de ciência e
atendimento das necessidades de mídia; dizemos sim à crescente
especialização e diversificação em todas as disciplinas. Nós também
dizemos sim para investigar a retroalimentação dos cuidados de saúde e a
prosperidade futura. Todos nós estamos também neste jogo.
No entanto, sustentamos que isto não pode ser tudo. Ciência
precisa de tempo para pensar. Ciência precisa de tempo para ler, e tempo
para falhar. A ciência nem sempre sabe o que pode estar certo apenas
agora. Ciência se desenvolve de maneira vacilante, com movimentos
bruscos e saltos imprevisíveis para a frente. Ao mesmo tempo, no
entanto, arrasta-se por aproximação em escala muito lenta, para a qual
deve haver tolerância de maneira que seu resultado seja justo.
Ciência lenta foi praticamente a única ciência concebível por
centenas de anos; hoje, argumentamos, essa lentidão merece renascer e
ter necessidade de proteção. A sociedade deve dar aos cientistas o tempo
necessário, mas, mais importante, os cientistas devem adequar seu
tempo.
Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para
digerir. Precisamos de tempo para entender bem uns aos outros,
especialmente, para a promoção do diálogo perdido entre humanidades e
ciências naturais. Nós não podemos dizer, continuamente, o que nossa
ciência significa, o que será bom para ela, porque nós simplesmente
ainda não sabemos. Ciência precisa de tempo.