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Frei Betto, em 20/07/2012
Frei Betto, em 20/07/2012
Eis
que esbarro no aeroporto com um amigo, alto funcionário do governo
federal. Fomos colegas de Planalto nos idos de 2004. Fui direto ao
ponto:
- E quando o governo acabará com a greve dos professores
das universidades públicas, que já dura mais de 60 dias? Ela paralisa 57
das 59 universidades federais e 34 dos 38 institutos federais de
educação tecnológica. São 143 mil profissionais de ensino de braços
cruzados.
- O governo? – reagiu surpreso. - Eles é que decidiram
parar de trabalhar. Já é hora de descruzarem os braços e aceitar nossa
proposta apresentada na sexta, 13 de julho. A partir do ano que vem um
professor titular com dedicação exclusiva poderá ter aumento de 45,1%.
-
Sexta-feira 13 não é um bom dia para negociar... Sei que o PT tem tido
sorte com o 13. Mas, pelo que me disseram professores, a proposta do
governo está aquém do que eles querem. E só favorece os professores que
atingiram o topo da carreira, e não os iniciantes. Como é possível um
professor adjunto, com doutorado, ganhar R$ 4.300, e um policial
rodoviário com nível superior R$ 5.782,11?
- O que pedem é acima do razoável. E se a greve prosseguir, nem por isso o país para.
-
Você parece esquecer que o PT só chegou à Presidência da República
porque o movimento grevista do ABC, liderado por Lula, encarou a
ditadura, desmascarou as fraudes dos índices econômicos emitidos pelo
ministério de Delfim Netto e exigiu reposição salarial.
O amigo me interrompeu:
- Aquilo foi diferente. Máquinas paradas atrasam o país.
-
Este o erro do governo, meu caro. Não avaliar que escola fechada atrasa
muito mais. Quem criará as máquinas ou, se quiser, trará ao país
inovação tecnológica se os universitários não têm aulas? Quem estanca a
fuga de cérebros do Brasil, com tantos cientistas, como Marcelo Gleiser,
preferindo as condições de trabalho no exterior? A maior burrice do
governo é não investir na inteligência. Já comparou o orçamento do
Ministério da Cultura com os demais? É quase uma esmola. Como está
difícil convencer o Planalto de que o Brasil só terá futuro se investir
ao menos 10% do PIB na educação.
Meu amigo tentou justificar:
- Mas o governo tem que controlar seus gastos. Se ceder aos professores, o rombo nas contas públicas será ainda maior.
-
Como pode um professor universitário ganhar o mesmo que um encanador da
Câmara Municipal de São Paulo? Um encanador, lotado no Departamento de
Zeladoria daquela casa legislativa, ganha R$ 11 mil. Um professor
universitário com dedicação exclusiva ganha R$ 11,8 mil. Agora o governo
promete que, em três anos, ele terá salário de R$ 17,1 mil.
- O governo vai mudar o plano de carreira. Professores passarão a ganhar mais em menos tempo de trabalho.
-
Ora, não me venha com falácias. Quando se trata do fundamental –saúde,
educação, saneamento– o governo nunca tem recursos suficientes. Mas
sobram fortunas para o Brasil sediar eventos esportivos internacionais
protegidos por leis especiais e comprar jatos de combate para um país
que já deveria estar desmilitarizado.
- Você não acha que é uma
honra o Brasil sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo? Não é importante
atualizar os equipamentos de nossa defesa bélica?
- Esses eventos
esportivos estarão abertos ao nosso povo, ou apenas aos turistas e
cambistas? E quanto à defesa bélica, há tempos o Brasil deveria ter
adotado a postura de neutralidade da Suíça e abolir suas Forças Armadas,
como fez a Costa Rica em 1949. Quem nos ameaça senão nós mesmos ao não
promover a reforma agrária para reduzir a desigualdade social e manter a
saúde e a educação sucateadas?
Meu amigo, ao se despedir, admitiu em voz baixa:
- O problema, companheiro, é que, por estar no governo, não posso criticá-lo. Mas você tem boa dose de razão.
Frei Betto é escritor, autor de "A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.